Soberba castigada
Crônica de um acesso frustrado

Tentei escolher um personagem para esta crônica. Em outro universo, com o cobiçado acesso conquistado, teria escolhido o escrete como protagonista — mas observando o placar “oxo” que apresentou o Figueirense contra o ABC na tarde de ontem e, não sendo nenhum especialista em futebol (algo perigoso no Brasil, onde todos são especialistas), fui obrigado a preteri-lo.
Ou talvez, ainda na situação hipotética do acesso, teria eleito um personagem abimaélico para preencher mais um espaço no largo panteão alvinegro. Mas o resultado foi outro, e com o apito final sentimos o gosto amargo do empate que se traga como uma derrota. A verdade é esta: este é um texto sem heróis. E afirmo agora, na contramão do que muitos pensam, o culpado desse acesso frustrado (ou da frustração do não acesso) é, sem dúvida, a torcida.
Para quem acompanhou o Figueirense, ao menos na segunda etapa da Série C, entenderá o que tenho a dizer. Afirmo: o acesso não nos escapou ontem. Não! Ele começou a ser perdido muito antes do apito final do último jogo. Na partida contra o Vitória, em que marcamos 5x1 em pleno Orlando Scarpelli e nos deixamos alçar a cabeça despretensiosamente à segunda divisão, tive receio do que iria acontecer. Cometemos um dos maiores pecados do futebol — aquele que tantas vezes antes castigamos impiedosamente — a soberba.
Este, no entanto, ainda não era o dia aziago. O acesso foi tirado de nós no jogo seguinte, quando conquistamos paradoxalmente a vitória ante o Paysandu. Naquele dia 3 de setembro, com frio a congelar os pulmões dos torcedores na tribuna, que apoiavam o clube freneticamente, tivemos a impressão de que não torcíamos para o Figueirense, mas para um clube europeu (talvez pelo clima nórdico que engolia Florianópolis naquela noite), a quem as conquistas já são garantidas e o futebol é uma brincadeira, não um espetáculo terreno.
Percebi a nossa derrocada quando eu (assumo minha culpa) e outros 19 mil alvinegros gritávamos freneticamente “eliminado!” para um time que sequer eliminado estava — e nós, para piorar o nosso moral, sequer nos classificaríamos, como o futuro iria atestar. A conta veio, e no retorno no Norte, levamos a pior — como reza o ditado, a soberba é o prenúncio da queda. E foi naquela tarde gelada que o acesso começou a cair de nossas mãos. Nada corrompe mais que o sucesso.
Li hoje, já com a ressaca da esperança que não se concretizou, mais um sintoma da nossa soberba silenciosa. Algum torcedor escreveu em suas redes: “o Figueirense não merece a sua torcida”. Discordo e sou categórico: a torcida alvinegra, esta grande culpada pela decepção do não acesso, não conhece o próprio clube. Enquanto sonhávamos com um ano vindouro entre os times da Série B e os prometidos clássico no nacional, o elenco alvinegro continuava o que sempre foi em todo decorrer deste campeonato: um elenco de Série C.
Se a torcida pudesse ganhar a grito os jogos, o campeonato seria outro. Não podemos negar o apoio exemplar que a torcida alvinegra deu ao clube desde as tribunas nesses trágicos anos. O nosso problema foi acreditar que a torcida ganha o jogo pelo time — ela no máximo abala, mas não decide. Futebol não se ganha com boas intenções e salvas da torcida, ganha-se com os pés em campo e a bola na rede.
A verdade dura é esta: o futebol é um esporte injusto. Não porque subverta as regras da justiça dos homens, que tenta compensar aqueles que “mais merecem”, embora nem sempre acerte. Mas porque quem ganha, nem sempre é quem mais merece, e paradoxalmente, quem mais merece é quem ganha — ou deixa de perder.
Para encerrar esta crônica, uma anedota. Nos tempos da Roma Antiga, quando um general ganhava uma batalha, um escravo dentro todos os outros era designado para a função mais importante da vitória. Entre as comemorações e os júbilos quando o general vitorioso entrava na cidade, este humilde escravo repetia-lhe ao ouvido: “lembra-te que és pó”.
A tragédia desse sábado não deve ser esquecida pelo Figueirense e principalmente pela sua torcida. Deve ser lembrada como o aviso latente de que somos um clube de terceira divisão e que, ao fim e ao cabo, toda soberba é, inevitavelmente, castigada — inclusive a nossa imperceptível e triste soberba, que confundíamos, ingenuamente, com uma deliciosa esperança de que os anos difíceis já haviam passado.