Os (in)corruptíveis de 2020
Não vamos facilitar as coisas: em um ano com tantos canalhas não há tarefa mais difícil que escolher o maior deles, a grande inspiração de todos os outros. Mas a Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCP) — não vou traduzir, afinal tudo em inglês soa mais cult — chegou em consenso e escolheu, em votação de um júri, a pessoa mais corrupta do ano. Incrivelmente pela primeira vez, o prêmio vem para o Brasil: Jair Bolsonaro foi o eleito!
O prêmio veio tarde para as terras verde-amarelas. Foi em 1500 que Caminha, escrevendo a “certidão de nascimento” do Brasil, negociava com El-Rei D. Manuel um cargo ao seu genro, o que deve ter sido o primeiro jeitinho brasileiro da história. Mais tarde, a peça se repetiria em outros anos, cidades e heróis. O prêmio vem, no mínimo, com alguns séculos de atraso.
Mas eu protesto! Ele nos foi concedido de forma injusta, pelo menos neste momento. O presidente brasileiro não o merece. Não por sua incorruptibilidade, mas sim por outro fator muito mais externo: pela concorrência. O presidente não é qualificado (o suficiente) para o cargo.
Em tempos de meias-verdades, é sempre bom falar duas vezes. Isto não é uma defesa ao presidente da República, muito pelo contrário! Comparado aos “glamurosos esquemas de corrupção” que tivemos no passado, a do atual Presidente é de baixo nível intelectual. A história, essa também corruptível como os homens, há de julgá-lo e julgar-nos. O que nos resta é a reflexão: quem de fato merecia o prêmio de mais corrupto do ano?
Os jornalistas e organizações de mídia do OCCP também puseram no pódio o presidente americano Donald Trump, o autocrata turco Recep Erdoğan e o oligarca ucraniano Ihor Kolomoisky. Apesar de sua competência, eles estão longe de ser os favoritos.
Os nomes levam a crer que os jurados do OCCP estão vivendo em um universo paralelo, com um 2020 muito diferente do que ocorreu. Mais uma vez, não pela falta de canalhice dos finalistas, mas sim pela competência de muitos candidatos fortíssimos deste ano, que, diga-se de passagem, revelou uma seleção de canalhas.
Não quero citar aqui os medalhões, como o novo-czar Vladmir Putin, nem o narcotraficante fantasiado de presidente Nicolás Maduro — que aliás já levaram a caneca para casa em 2014 e 2016 respectivamente. O que impressiona é ver verdadeiros campeões (i)morais que sequer levaram uma menção honrosa para casa.
Aleksander Lukashenko deve estar enraivecido neste momento em Minsk. O “último ditador da Europa” forjou eleições, prendeu opositores e jornalistas, assassinou manifestantes e negligenciou a Covid-19 desde o primeiro caso — segundo ele mesmo, a cura seria jogar hóquei e beber vodca. O ditador, já há 26 anos no poder, se esforçará mais no próximo ano pelo título.
Além deste campeão moral, temos o congresso peruano, que conseguiu o feito inédito de ter três presidentes em menos de uma semana, tudo isso em meio de uma pandemia. Por fim, é impossível não citar o Partido Comunista Chinês, que soube controlar o coronavírus como poucos: varrendo para baixo do tapete e com uma focinheira na boca de jornalistas. Ainda não foi informado se os candidatos entrarão com recurso ou pedirão recontagem dos votos.
A corrupção ideológica, essa sim, é a grande campeã, em disparate, de pessoa mais corrupta de 2020.
