Mais vazio que o vácuo

Uma opinião sobre Asteroid City, de Wes Anderson

Eduardo Reitz
3 min readJul 9, 2023

Aviso de antemão: não sou nenhum cinéfilo. O pouco que sei sobre cinema (quero dizer, o quase nada que sei) vem mais das minhas opiniões próprias do que de longos estudos e infinitas horas com os olhos grudados à tela. Repetindo, não sou nenhum cinéfilo – e talvez por isso não defenda religiosamente uma opinião quando se trata de cinema -, por isso, peço desculpas antecipadas se algo do que eu disser soar como uma besteira.

Sou obrigado a concordar com Eco, que diz que a internet (ou a democracia, como diria Nelson Rodrigues) deu voz a milhares de idiotas. Logo após assistir ao filme Asteroid City, de Wes Anderson, li uma opinião n’O Observador que me ajudou verbalizar aquilo que sentia. Não sabendo se a minha opinião sobre o filme é verdadeiramente importante, ou mais uma pedra minerada do monte da imbecilidade da internet, dei-me a chance de errar. Eis a crítica.

O filme se passa em dois planos. No primeiro, somos apresentados a um diretor de teatro que planeja escrever uma peça, a qual nós somos apresentados no segundo plano, intercalando a produção e o enredo. A peça para a televisão, que dá o mesmo nome ao filme, Asteroid City, passa-se em uma pequena cidade do deserto americano que se desenvolveu ao lado de uma cratera de um meteoro que ali caíra há milhares de anos. O lugar é o palco da premiação de uma feira de ciências para crianças geniais dos EUA, e, em meio ao evento, passa por um estranho evento de dimensões cósmicas.

Mais sobre o filme não precisa ser dito. Apesar de um enredo aparentemente interessante, um catálogo premiado de atores (Tom Hanks, Steve Tyrell, Margot Robbie, Scarlet Johanson), incontáveis referências à cultura americana e uma paleta de cores minuciosamente escolhida, o filme é sequestrado pelo mais vazio “no sense”. Um “no sense” não como o absurdo pessimista de Kafka, ou só aparente, mas arquitetonicamente construído, como n’O Mundo de Sofia – está mais para uma construção sem sentido de uma sucessão de cenas sem significado.

Um ponto positivo do filme é decerto a maravilhosa fotografia. As cores foram trabalhadas e escolhidas a dedo, causando um inacabável deleite visual. Não se deixa de mencionar o contraste entre as cenas coloridas, da peça em si, e as cenas da produção dela, que aparecem em um sóbrio preto e branco. Apesar disso, o filme não consegue entregar mais que um impressionante deleite visual. É como uma longuíssima natureza morta – belíssima em forma, mas sem sabor algum.

Admito não conhecer a obra de Wes Anderson – como já disse, não sou um cinéfilo (amém) – mesmo já conhecendo o inconfundível estilo. Nas artes, há perigos de se criticar algumas sumidades sob o risco de excomunhão ou de ser tratado por ridículo, muito embora, às vezes, estas críticas sejam necessárias e justas. Não sei se é o caso, mas o mais difícil é ver que o rei está nu.

Asteroid city pode ser um filme para se ver quando não se quer ter que pensar muito, prestar atenção, ou aguardar por um enredo interessante. É um filme simples, que obrigará o espectador a pesquisar pela história no instante em que acabar de assistir a ele – não pelos bons motivos, como em Ilha do Medo, em que o filme não entrega tudo à primeira vista – mas por não transparecer sentido algum.

Certa vez ouvi que nem mesmo o vácuo não é livre de matéria, havendo qualquer coisa flutuando até no nada. Para continuar na metáfora cósmica, Asteroid City consegue entregar algo que a física até hoje não conseguira constatar: a proeza de ser mais vazio que o vácuo.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Eduardo Reitz
Eduardo Reitz

Written by Eduardo Reitz

Tentando entender o mundo com a ponta da caneta

No responses yet

Write a response