Mais vazio que o vácuo
Uma opinião sobre Asteroid City, de Wes Anderson
Aviso de antemão: não sou nenhum cinéfilo. O pouco que sei sobre cinema (quero dizer, o quase nada que sei) vem mais das minhas opiniões próprias do que de longos estudos e infinitas horas com os olhos grudados à tela. Repetindo, não sou nenhum cinéfilo – e talvez por isso não defenda religiosamente uma opinião quando se trata de cinema -, por isso, peço desculpas antecipadas se algo do que eu disser soar como uma besteira.
Sou obrigado a concordar com Eco, que diz que a internet (ou a democracia, como diria Nelson Rodrigues) deu voz a milhares de idiotas. Logo após assistir ao filme Asteroid City, de Wes Anderson, li uma opinião n’O Observador que me ajudou verbalizar aquilo que sentia. Não sabendo se a minha opinião sobre o filme é verdadeiramente importante, ou mais uma pedra minerada do monte da imbecilidade da internet, dei-me a chance de errar. Eis a crítica.
O filme se passa em dois planos. No primeiro, somos apresentados a um diretor de teatro que planeja escrever uma peça, a qual nós somos apresentados no segundo plano, intercalando a produção e o enredo. A peça para a televisão, que dá o mesmo nome ao filme, Asteroid City, passa-se em uma pequena cidade do deserto americano que se desenvolveu ao lado de uma cratera de um meteoro que ali caíra há milhares de anos. O lugar é o palco da premiação de uma feira de ciências para crianças geniais dos EUA, e, em meio ao evento, passa por um estranho evento de dimensões cósmicas.
Mais sobre o filme não precisa ser dito. Apesar de um enredo aparentemente interessante, um catálogo premiado de atores (Tom Hanks, Steve Tyrell, Margot Robbie, Scarlet Johanson), incontáveis referências à cultura americana e uma paleta de cores minuciosamente escolhida, o filme é sequestrado pelo mais vazio “no sense”. Um “no sense” não como o absurdo pessimista de Kafka, ou só aparente, mas arquitetonicamente construído, como n’O Mundo de Sofia – está mais para uma construção sem sentido de uma sucessão de cenas sem significado.
Um ponto positivo do filme é decerto a maravilhosa fotografia. As cores foram trabalhadas e escolhidas a dedo, causando um inacabável deleite visual. Não se deixa de mencionar o contraste entre as cenas coloridas, da peça em si, e as cenas da produção dela, que aparecem em um sóbrio preto e branco. Apesar disso, o filme não consegue entregar mais que um impressionante deleite visual. É como uma longuíssima natureza morta – belíssima em forma, mas sem sabor algum.
Admito não conhecer a obra de Wes Anderson – como já disse, não sou um cinéfilo (amém) – mesmo já conhecendo o inconfundível estilo. Nas artes, há perigos de se criticar algumas sumidades sob o risco de excomunhão ou de ser tratado por ridículo, muito embora, às vezes, estas críticas sejam necessárias e justas. Não sei se é o caso, mas o mais difícil é ver que o rei está nu.
Asteroid city pode ser um filme para se ver quando não se quer ter que pensar muito, prestar atenção, ou aguardar por um enredo interessante. É um filme simples, que obrigará o espectador a pesquisar pela história no instante em que acabar de assistir a ele – não pelos bons motivos, como em Ilha do Medo, em que o filme não entrega tudo à primeira vista – mas por não transparecer sentido algum.
Certa vez ouvi que nem mesmo o vácuo não é livre de matéria, havendo qualquer coisa flutuando até no nada. Para continuar na metáfora cósmica, Asteroid City consegue entregar algo que a física até hoje não conseguira constatar: a proeza de ser mais vazio que o vácuo.