“A guerra à cannabis falhou”: Luxemburgo declara pequena trégua na guerra às drogas
“A guerra à cannabis falhou”, afirmou o Déi Gréng, o partido Verde de Luxemburgo no dia 22 de outubro em uma nota à imprensa. O longo artigo fazia referência ao anúncio da ministra da saúde, Sam Tanson. Em uma sala com muitos jornalistas e outros ministros, a mulher de óculos grossos e cabelos curtos anunciou: Luxemburgo declarava “trégua” na guerra à cannabis.
A ministra prometeu que o país deve ser o primeiro na Europa a permitir o plantio de até quatro pés de cannabis e o consumo “entre quatro paredes”. A promessa de legalizar a droga já era antiga. Em 2018, o primeiro-ministro Xavier Bettel havia anunciado que a coalizão governante (dos partidos Liberal, Verde e Social-Democrata) planejava descriminalizar a cannabis em seu mandato. Segundo Sam Tanson, a medida pretende com que “o consumidor não fique em situação ilegal se usar cannabis”.

A cannabis é a droga mais consumida no país e atualmente possui uma grande cadeia produtiva sustentada sobre o mercado negro. A nova legislação foi comemorada por muitos, que enxergam no pioneirismo luxemburguês o primeiro passo para evoluir um mercado legal e abrangente de cannabis. Mesmo assim, há profissionais e governantes que levantam suas ressalvas à medida do país, quer por dar um passo “muito grande”, quer por fazer uma reforma muito tímida.
Afinal, quem vem ganhando na guerra às drogas? E como os liberais se posicionam em relação à medida?
Luxemburgo legaliza a cannabis
Há dois outros países do mundo, Canadá e Uruguai, além de 11 estados nos EUA, que permitem hoje o consumo da cannabis. O principal motivo dos países seria assumidamente retirar a droga do mercado negro, reduzir a violência ao seu entorno e reduzir os gastos de operações que (claramente) não conseguem contê-la. “Nós achávamos que tínhamos que agir”, disse Sam Tanson, “temos um problema com drogas, a cannabis é a mais utilizada e uma grande parte do mercado ilegal”.
Luxemburgo enfrenta um problema com a cannabis principalmente entre os mais jovens. A droga é a mais consumida no país (75% das drogas ilícitas) e vem geralmente pela fronteira Holandesa ou pelo Marrocos. O país gasta pouco do seu PIB no combate às drogas (0,013% em 2017).
Ao legalizar o consumo, o país não apenas busca reduzir a criminalidade ligada à droga (ligada mais a prisões pela posse que pela briga de facções), mas garantir o uso mais saudável ao consumidor. “A ideia é que o consumidor não fique em situação ilegal se usar cannabis, e que não apoiamos toda a cadeia ilegal, da produção à venda e transporte, onde existe muito sofrimento”, explicou Tanson.
O Uruguai viu uma queda acentuada da criminalidade desde a legalização do uso recreativo da droga. Além disso, a movimentação legal de dinheiro relacionada à droga foi considerável: 22 milhões de dólares em 2017 segundo o Instituto de Regulación y Control del Cannabis.
Os liberais e as drogas
Muitos economistas, como Milton Friedman, já argumentaram que a proibição às drogas é não apenas ineficiente como paternalista.

Para o economista de Chicago, a proibição e a deflagrada “Guerra às Drogas” apenas garantiu ao crime organizado o controle de um mercado disputado e altamente lucrativo. O ganhador do Nobel Gary Becker viria apresentar a irracionalidade das medidas instituídas pelo presidente Nixon em 1971 pelo chamado “paradoxo da guerra às drogas”.
As ações estatais contra o tráfico diminuiriam a oferta das drogas no mercado enquanto a demanda permanece inalterada. Inevitavelmente, o preço se eleva e enriquece os traficantes. A concorrência entre os “empresários das drogas” não a mais justa: os conflitos armados e criações de milícias são recorrentes. Os produtos ofertados tampouco são de qualidade, possuindo muito impurezas.
O escritor Vargas Llosa escreveu este ano uma longa diatribe contra a proibição das drogas para o El Pais, evidenciando os argumentos sociais e econômicos da problemática. Ele até mesmo elogiou a “coragem” do governo uruguaio, mas criticou o monopólio estatal sobre a venda.
Para além do argumento econômico, os liberais defendem que o Estado não deve ter competência para decidir o que indivíduos podem ou não consumir por livre escolha. Ludwig von Mises admite que o uso de drogas é naturalmente prejudicial à saúde, mas não caberia a um governo decidir o que é melhor para cada um. O economista vai além: se o Estado pode decidir o que é melhor para a saúde dos indivíduos, por que não se intrometer mais ainda?
Por que não deveria o estado prescrever, de um modo geral, quais alimentos devem ser permitidos e quais alimentos devem ser proibidos por serem nocivos?
ou ainda
Por que não o impedir de assistir a filmes e a demais espetáculos de mau gosto? Por que não o impedir de ouvir músicas de baixa qualidade? Mais ainda: por que não o proibir de ler livros ruins?
Leitura recomendada ao tema paternalismo e proibição às drogas: Paternalismo legal e criminalização das drogas de Taffarello.
Liberação da cannabis em Luxemburgo: uma medida tímida?
Há ainda quem não enxergue a medida luxemburguesa como renovadora. A legislação prevê o plantio de até quatro plantas de cannabis por moradia para consumo pessoal “entre quatro paredes”. Na Espanha, o plantio para uso próprio já é regulamentado pela justiça.
Alguns especialistas de saúde pública, como o Dr. Alan Origer, afirmam que “o governo poderia fazer melhor”. Ainda segundo o Coordenador Nacional de Drogas do Ministério da Saúde de Luxemburgo, a recente legalização deve ser o primeiro passo na direção certa, mas “não pode ser o último”.
Embora o doutor reconheça que o plantio legal da planta reduza a rede de tráfico, ele não deixará de existir para suprir as demandas pessoais, uma vez que não institui (ainda) um mercado regular. Além disso, ele clama pela “despolitização e fim do tabu” relacionado ao assunto.
Com o passar do tempo, a medida deve encorajar outros países europeus a fazer o mesmo. Em primeiro momento, a França posicionou-se contra a medida, que poderia transformar o Grão-Ducado em uma zona de tráfico fronteiriço, dificultando o controle do país limítrofe. A Alemanha, em contrapartida, anunciou com seu novo governo que a legalização da cannabis está em seus planos futuros.