“A guerra à cannabis falhou”: Luxemburgo declara pequena trégua na guerra às drogas

Eduardo Reitz
5 min readMar 7, 2022

Photo by Richard T on Unsplash

A guerra à cannabis falhou”, afirmou o Déi Gréng, o partido Verde de Luxemburgo no dia 22 de outubro em uma nota à imprensa. O longo artigo fazia referência ao anúncio da ministra da saúde, Sam Tanson. Em uma sala com muitos jornalistas e outros ministros, a mulher de óculos grossos e cabelos curtos anunciou: Luxemburgo declarava “trégua” na guerra à cannabis.

A ministra prometeu que o país deve ser o primeiro na Europa a permitir o plantio de até quatro pés de cannabis e o consumo “entre quatro paredes”. A promessa de legalizar a droga já era antiga. Em 2018, o primeiro-ministro Xavier Bettel havia anunciado que a coalizão governante (dos partidos Liberal, Verde e Social-Democrata) planejava descriminalizar a cannabis em seu mandato. Segundo Sam Tanson, a medida pretende com que “o consumidor não fique em situação ilegal se usar cannabis”.

Sam Tanson — Divulgação

A cannabis é a droga mais consumida no país e atualmente possui uma grande cadeia produtiva sustentada sobre o mercado negro. A nova legislação foi comemorada por muitos, que enxergam no pioneirismo luxemburguês o primeiro passo para evoluir um mercado legal e abrangente de cannabis. Mesmo assim, há profissionais e governantes que levantam suas ressalvas à medida do país, quer por dar um passo “muito grande”, quer por fazer uma reforma muito tímida.

Afinal, quem vem ganhando na guerra às drogas? E como os liberais se posicionam em relação à medida?

Luxemburgo legaliza a cannabis

Há dois outros países do mundo, Canadá e Uruguai, além de 11 estados nos EUA, que permitem hoje o consumo da cannabis. O principal motivo dos países seria assumidamente retirar a droga do mercado negro, reduzir a violência ao seu entorno e reduzir os gastos de operações que (claramente) não conseguem contê-la. “Nós achávamos que tínhamos que agir”, disse Sam Tanson, “temos um problema com drogas, a cannabis é a mais utilizada e uma grande parte do mercado ilegal”.

Luxemburgo enfrenta um problema com a cannabis principalmente entre os mais jovens. A droga é a mais consumida no país (75% das drogas ilícitas) e vem geralmente pela fronteira Holandesa ou pelo Marrocos. O país gasta pouco do seu PIB no combate às drogas (0,013% em 2017).

Ao legalizar o consumo, o país não apenas busca reduzir a criminalidade ligada à droga (ligada mais a prisões pela posse que pela briga de facções), mas garantir o uso mais saudável ao consumidor. “A ideia é que o consumidor não fique em situação ilegal se usar cannabis, e que não apoiamos toda a cadeia ilegal, da produção à venda e transporte, onde existe muito sofrimento”, explicou Tanson.

O Uruguai viu uma queda acentuada da criminalidade desde a legalização do uso recreativo da droga. Além disso, a movimentação legal de dinheiro relacionada à droga foi considerável: 22 milhões de dólares em 2017 segundo o Instituto de Regulación y Control del Cannabis.

Os liberais e as drogas

Muitos economistas, como Milton Friedman, já argumentaram que a proibição às drogas é não apenas ineficiente como paternalista.

Milton Friedman

Para o economista de Chicago, a proibição e a deflagrada “Guerra às Drogas” apenas garantiu ao crime organizado o controle de um mercado disputado e altamente lucrativo. O ganhador do Nobel Gary Becker viria apresentar a irracionalidade das medidas instituídas pelo presidente Nixon em 1971 pelo chamado “paradoxo da guerra às drogas”.

As ações estatais contra o tráfico diminuiriam a oferta das drogas no mercado enquanto a demanda permanece inalterada. Inevitavelmente, o preço se eleva e enriquece os traficantes. A concorrência entre os “empresários das drogas” não a mais justa: os conflitos armados e criações de milícias são recorrentes. Os produtos ofertados tampouco são de qualidade, possuindo muito impurezas.

O escritor Vargas Llosa escreveu este ano uma longa diatribe contra a proibição das drogas para o El Pais, evidenciando os argumentos sociais e econômicos da problemática. Ele até mesmo elogiou a “coragem” do governo uruguaio, mas criticou o monopólio estatal sobre a venda.

Para além do argumento econômico, os liberais defendem que o Estado não deve ter competência para decidir o que indivíduos podem ou não consumir por livre escolha. Ludwig von Mises admite que o uso de drogas é naturalmente prejudicial à saúde, mas não caberia a um governo decidir o que é melhor para cada um. O economista vai além: se o Estado pode decidir o que é melhor para a saúde dos indivíduos, por que não se intrometer mais ainda?

Por que não deveria o estado prescrever, de um modo geral, quais alimentos devem ser permitidos e quais alimentos devem ser proibidos por serem nocivos?

ou ainda

Por que não o impedir de assistir a filmes e a demais espetáculos de mau gosto? Por que não o impedir de ouvir músicas de baixa qualidade? Mais ainda: por que não o proibir de ler livros ruins?

Leitura recomendada ao tema paternalismo e proibição às drogas: Paternalismo legal e criminalização das drogas de Taffarello.

Liberação da cannabis em Luxemburgo: uma medida tímida?

Há ainda quem não enxergue a medida luxemburguesa como renovadora. A legislação prevê o plantio de até quatro plantas de cannabis por moradia para consumo pessoal “entre quatro paredes”. Na Espanha, o plantio para uso próprio já é regulamentado pela justiça.

Photo by Cedric Letsch on Unsplash

Alguns especialistas de saúde pública, como o Dr. Alan Origer, afirmam que “o governo poderia fazer melhor”. Ainda segundo o Coordenador Nacional de Drogas do Ministério da Saúde de Luxemburgo, a recente legalização deve ser o primeiro passo na direção certa, mas “não pode ser o último”.

Embora o doutor reconheça que o plantio legal da planta reduza a rede de tráfico, ele não deixará de existir para suprir as demandas pessoais, uma vez que não institui (ainda) um mercado regular. Além disso, ele clama pela “despolitização e fim do tabu” relacionado ao assunto.

Com o passar do tempo, a medida deve encorajar outros países europeus a fazer o mesmo. Em primeiro momento, a França posicionou-se contra a medida, que poderia transformar o Grão-Ducado em uma zona de tráfico fronteiriço, dificultando o controle do país limítrofe. A Alemanha, em contrapartida, anunciou com seu novo governo que a legalização da cannabis está em seus planos futuros.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Eduardo Reitz
Eduardo Reitz

Written by Eduardo Reitz

Tentando entender o mundo com a ponta da caneta

No responses yet

Write a response